segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Voltando Ao Início

É estranho ver a idade chegar. É difícil imaginar como seremos daqui algum tempo, meses e até anos. Aonde vamos estar? O que nós iremos fazer? Quais serão as decisões? Como lidar com os sonhos não realizados? Adolfo pensava isso enquanto olhava para o caixão de Antonieta. Era difícil para Adolfo estar naquela posição, olhando para aquela pessoa, naquele estado. Antonieta não era simplesmente mais uma, ela tinha sido a única. Todas essas perguntas vinham como flechas na cabeça de Adolfo, que já se encontrava velho, caminhando para o enterro de sua amada.
De princípio, teve medo de encostar-se ao caixão e ter que acreditar na veracidade dos fatos. Todo mundo já se parou perguntando essas mesmas perguntas. E Adolfo percebia que são perguntas sem respostas. Ninguém consegue saber aonde vai estar, muito menos o que estará fazendo. As decisões de ontem nunca serão certas hoje, afinal de contas nós teremos uma experiência que não tínhamos ontem, e por mais que pudéssemos voltar no ontem, nós continuaríamos sem poder fazer a decisão correta. Até porque, a experiência adquirida hoje nunca será adquirida antes, no ontem.
E foi pensando nisso que Adolfo foi encostando-se ao caixão, para ver melhor a cara de Antonieta. Nem sempre o amor é perfeito. Nem sempre o ato do amor vem de um beijo. Uma simples demonstração diz tudo, independente da maneira. Adolfo estava cada vez mais perto do caixão. Foi sendo levado pelos seus pés, e não pela sua mente. Quando menos esperou, pôde ver a sua amada. Foi quando chegou perto do seu ouvido, e bem baixo (há até quem diga que Adolfo nem falou, só mexeu os lábios) conseguiu sussurrar algumas palavras.
“Talvez nós não devessemos ter pensado em nada, ter feito coisa alguma. Talvez nós devessemos apenas cair e continuar caindo. Não precisávamos ter tido algo. É curioso pensar em como nós ficaríamos quando ficássemos velhos. Deveríamos ter ficado ali, olhando o pôr-do-sol e pensando no nada. Não é necessário um gesto quando somente a simples presença já faz dizer tudo. E hoje, pensando nisso, me sinto feliz, e vejo o quanto isso é confortante e satisfatório”.
Levantou então a cabeça, se recompôs, e caminhou até a porta. Talvez Adolfo estivesse andando apenas na direção de sua amada, e ela parecia bem feliz. Adolfo podia ver até o sorriso no rosto dela. Era ela a vida inteira, ele sabia disso.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O Ano Novo

Era ano novo.Era? Beto não sabia ao certo se aquela frase se adequava à sua vida.Afinal de contas,o que é o ano novo? É uma data comemorativa,na qual as pessoas deixam um ano e tentam coisas novas para o ano que se inicia.E é nesse ano que as pessoas buscam mais alegria,mais compreensão,mais afeto.Pois é,será que Beto poderia dizer que aquilo era um ano novo?
Estava ali,sentado na sua varanda,vendo abaixo a rua movimentada de gente,esperando o esperado,o horário primordial,a meia noite.Outro fato curioso que fazia Beto pensar.Até aonde aquele horário era a virada do ano? Para ele,sim.Mas,e para os outros? Enquanto ali havia comemorações,no outro lado do mundo pessoas dormiam,trabalhavam e se estressavam.Radical? Talvez,mas não é preciso ir muito longe.Enquanto a rua estava mais agitada do que a Paulista em horário de pico,pessoas doentes habitavam o hospital,mendigos dormiam nos rodapés das ruas,nas sarjetas das praças.
Então,o que Beto comemorava ali? Nem ele sabia.Não era uma pessoa feliz,não tinha filhos,esposa,nada.Seus pais,distantes.Moravam perto,mas não nos sentimentos.Ele não falava com o seu pai fazia alguns anos,e passaria outro sem fazê-lo.Sua mãe,o julgava,tentava entendê-lo,mas na verdade,a cada julgamento,se distanciava ainda mais do seu filho,sem perceber.Seu irmão,boa gente.Não tinha uma amizade muito firme,mas mantinha o agradável.
Triste? Não.As pessoas continuavam ali na rua,bebendo,cantando,se divertindo.Ninguém estava preocupado com Beto.Beto era apenas mais um,era apenas uma pessoa no mundo.Não adiantava alguém ir lá,consolá-lo,não iria mudar os fatos.No dia seguinte,Beto continuaria ali,naquela vida,naquela labuta,naquela rotina.E o relógio passava as horas como uma bactéria,deteriorando o mais rápido e o mais depressa.Nojento? Não,medo.O tempo passa,o tempo não volta. Clichê? Sim,mas o mais certo de todos.Ano novo? Amanhã,toda aquela gente alegre estaria fazendo os mesmos erros e acertos do ano passado.Mudança? É dificil fazê-la,se não você mesmo.Alguns podem até dizer que o poder da palavra é tão forte quanto uma ação.Mas uma ação será sempre uma ação,e nunca uma promessa não cumprida.
Fogos eclodiram no ar,a hora havia chegado,as pessoas gritavam,comemoravam,faziam as mais diversas supertições.Pulavam,chupavam uva e jogavam os caroços para trás,tomavam banho de champagne.Beto,da sua varanda,apenas observou.Tinha certeza,o ano tinha virado,mas as atitudes continuavam as mesmas.Então,aquilo seria um ano novo?